Asas da loucura: a extraordinária vida de Santos Dumont do Paul Hoffman (Editora Record, 2023) faz um passeio pela vida do excêntrico e brilhante Santos Dumont e apresenta detalhes sobre as várias “máquinas voadoras” que ele projetou e testou até chegar ao 14 bis. Hoffman mostra a aproximação de Dumont do balonismo, que foi o ponta pé inicial para que fizesse seus primeiros voos e como ele foi aperfeiçoando a técnica até conseguir fazer voos de balões tripulados, ou seja, com a possibilidade de controle da rota e uso de motores, algo considerado quase impossível na época.


Em 1883, Alberto Santos Dumont, aos 10 anos, ainda não vira um balão, mas imitava a invenção dos Montgolfier em miniatura. A partir das ilustrações dos livros, ela fazia pequenos balões de papel e os enchia de ar quente com a chama do fogão. Nas comemorações dos dias santos, ele fazia demonstrações para os trabalhadores do campo. Até mesmo seus pais, que não aprovavam esses experimentos incendiários, não conseguiam esconder o espanto de ver os montgolfières voarem mais alto que a casa.
Santos Dumont nasceu na fazenda de Cabangu, distrito de João Aires, interior de Minas Gerais. Hoje a cidade leva seu nome. Sua família foi a primeira geração de brasileiros a viver nessa região e foi onde seu pai prosperou através da administração de uma fazenda de café. Dumont sempre mostrou interesse por assuntos completamente diferentes do que a família esperava e que até mesmo a cultura da época incentivava. O que realmente saltava aos olhos do garoto eram os experimentos, que até então nem ele mesmo sabia serem científicos.

Em relação à lavoura de café da família, o que mais chamava sua atenção eram as máquinas utilizadas no plantio e quando elas estragavam, ele as desmontava e por vezes conseguia identificar o defeito. Alberto tinha muito interesse pela fazenda e por todo o processo de plantio. De todos os seus irmãos, que eram sete, Dumont era o mais jovem e também o que mais se interessava pela mecânica de produção de café. Sua curiosidade pelos motores rotativos seria essencial para os projetos com as “máquinas voadoras” no futuro.

À noite, lia até bem tarde. O pai, que estudara engenharia em Paris na École Centrale des Arts et Métiers, tinha espalhadas pela casa pilhas de livros em francês, inglês e português. Alberto leu a maioria deles, até mesmo os manuais técnicos. Os livros favoritos eram de ficção científica. Ele gostava da imagem de Júlio Verne de um céu povoado de máquinas voadoras e, aos 10 anos, já tinha lido todos os seus romances.
Quando tinha 18 anos, Santos Dumont viajou para Paris com sua família e a França foi um divisor de águas em sua vida. Naquela época, Paris vivia uma efervescência cultural que encantou o jovem Dumont, e principalmente a curiosidade dos franceses com as ciências e a tecnologia. Em Paris, ele pôde conhecer diversos balonistas que já faziam experiências com ascensão de balões e isso abriu um leque de possibilidades na cabeça de Santos Dumont.

Após a morte de seu pai, Santos Dumont recebeu um adiantamento de sua herança e com isso decidiu se mudar para Paris. Os anos seguintes da vida de Dumont serão dedicados á construção de “máquinas voadoras” e toda a sua dedicação à aviação fizeram com que o brasileiro se tornasse uma das figuras mais celebradas de Paris. Dumont foi o primeiro a contornar a Torre Eiffel a bordo de um balão dirigível e ganhou um prêmio por isso.


A obsessão de Dumont por voar era algo admirável. Logo sua coragem, que na época era vista como algo desconectado de sua aparência física passou a ser algo admirado em toda a França e muitos outros países que também possuíam interesse em apoiar projetos de aviação.

Santos, como prefere ser chamado, é baixo, franzino, de tez morena clara, com mais ou menos 1,60 metro de altura. Se não fosse pelo espesso bigode, porém bem aparado, que sombria o lábio superior e dá força a toda a face, teria o rosto efeminado. O queixo, no entanto, revela de onde tira sua tenaz determinação e o espírito indomável que o levaram a continuar trabalhando até chegar à alta posição que ocupa atualmente.


A cada nova máquina que Santos Dumont criava, ficava ainda mais famoso. Suas ascensões e testes de voos eram acompanhados por milhares de pessoas e pela imprensa. O livro apresenta inúmeros textos jornalísticos da época que davam notícias sobre Santos Dumont e dois pontos eram sempre mencionados: a sua aparência física, tanto pelo fato de sua estatura, como pelo fato de estar sempre impecavelmente trajado e também sobre uma certa feminilidade de seus gostos e gestos.

Santos Dumont escolheu ignorar as convenções sociais com seu estilo afetado de vestir-se, mas sabia que a excentricidade e a genialidade caminhavam juntas na imaginação popular. Ele também sabia até que ponto seu comportamento excêntrico afastaria os admiradores. Preocupava-se com a opinião pública e não prejudicaria sua reputação admitindo ser homossexual.

Algo admirável na biografia de Santos Dumont e que foi algo comum entre cientistas do fim do século XIX, é a dedicação extrema a um projeto científico capaz de colocar a própria segurança e até a vida em risco. Assim como temos notícias de médicos e pesquisadores que testavam vacinas no próprio corpo, temos também o exemplo de Santos Dumont, que a cada máquina voadora que criava, ele próprio embarcava no desafio de testar sua eficácia. Assim, foram várias as vezes em que Dumont se acidentou e quase morreu. “A ciência tornara-se a nova religião laica, e esperava-se que os praticantes, como os aeronautas, realizassem experimentos importantes, mesmo arriscando suas vidas”.