Vira-lata virador do animador, ilustrador, cartunista e colorista Grégory Panaccione é um quadrinho adaptado do romance infantojuvenil homônimo de Daniel Pennac, lançado no Brasil pela Editora Nemo em 2023. Na história, acompanhamos o dia a dia de um cachorro abandonado por ser muito feio. Ele vai parar em um lixão, local que poderia ter sido sua sentença de morte, mas que inicialmente vira sua única possibilidade de sobrevivência. No meio do lixo ele aprende algumas lições de vida e faz uma primeira grande amizade que o ensina que o melhor caminho seria sair do lixão, encontrar uma dona e adestra-la.


Os humanos são imprevisíveis. Não são como nós cães. Nos entendemos muito bem, sem problemas. Até os gatos dá para saber mais ou menos quando vão atacar.

O cachorro parte para a cidade grande munido daquilo que os cães tem de melhor: instinto de sobrevivência e olfato apurado. Com um texto bem escrito, cheio de provocações sobre a natureza e a hipocrisia humanas e algumas situações bem engraçadas, entramos em uma aventura que consegue também nos emocionar. As ilustrações do quadrinho são tão divertidas quanto o texto.

Texto e ilustrações usam e abusam de características dos cães tão familiares a nós, humanos, e que para eles representam outros sinais, como o instinto por exemplo. De forma bem humorada a história mostra porque os cães se cheiram ao se conhecerem, suas estratégias de fugir de uma surra ou um grito, o motivo daqueles latidos que as vezes aparecem em horas e momentos indesejados, assim como sua percepção de quando o dono não está bem.

Quem já é apaixonado por cães sairá de “Vira-lata virador” extremamente tocado por uma narrativa que exalta os cães e sua capacidade de interação com os humanos. Quem não gosta de cães, acredito que pelo menos sairá entendendo a necessidade de defender os animais de algumas crueldades diárias.

Após passar por diversas situações perigosas na rua e até mesmo ser pego pelo canil da cidade, os caminhos do cão cruzam com os de uma menina com o apelido de Maçã. Explorando a relação do cão com essa família que o adota, o texto faz algo interessante e que torna a história uma ótima indicação para crianças que desejam ter um animal de estimação: demonstra que amor e cuidado é algo que deve ser diário após a decisão de levar um animal para casa e que passará a depender de seu dono para ter uma vida saudável.

Eu não precisava de muito para me distrair: com alguns passarinhos, vento nas folhas, um ou dois sons estranhos para eu latir, e eu nem veria o tempo passar... para um cachorro, os apartamentos são ainda menores que para os humanos, porque tem os lugares proibidos.
Como toda relação de amor, o quadrinho deixa nítido como amor e dedicação são atos que precisam ser construídos diariamente. E mais do que isso, a história nos conta como amor desconectado de responsabilidade não se sustenta por muito tempo.

“Vira-lata virador” é todo narrado pelo cão e isso coloca o leitor diante de uma outra perspectiva. Quando o cão tenta entender o porque de algumas crueldades e abandonos em que colocamos os animais, somos também transportados para um lugar de incredulidade. Nos perguntamos porque fazemos o que fazemos diante de seres mais frágeis que a gente.