O pequeno astronauta do Jean-Paul Eid (Editora Nemo, 2022) é um quadrinho tocante. A história começa com a jovem Juliette em um futuro próximo, fazendo um movimento que gosta de fazer pelo menos uma vez ao ano, que é revisitar o bairro e passar pela casa onde passou sua infância. Em uma dessas visitas, quando encontra a casa de sua infância a venda e, portanto, tem a oportunidade de adentrá-la mais uma vez, Juliette começa a reviver suas memórias daquele lugar e nós vamos conhecer uma família, que mesmo em momentos de intensa dor, continuou unida por fortes laços de amor.


O núcleo familiar que era formado pela mãe Penélope, o pai Miguel e a pequena Juliette ganha mais um tripulante. Tom chega antes do tempo, de parto prematuro, depois de dois meses no hospital por conta de algumas complicações, e toda a família passa a morar em um novo lar. A casa que irá marcar para sempre as lembranças de Juliette e sua família.

Me contaram desde cedo que os bebês saem da barriga das mamães. Para uma garotinha tão nova, aquilo pareceu tão maluco quanto Papai Noel ou a Fada do Dente. O tipo de história que é meio ridícula, mas boa demais para não acreditar. Só que ninguém me dizia onde ficavam os bebês antes de nascerem. Falo de antes dos ultrassons, antes de irem para a barriga das mamães, antes dos sonhos dos pais... Resumindo, antes de serem.


Aos poucos Penélope, com os olhos de lince de quase toda mãe, começa a perceber que Tom não está se desenvolvendo da maneira que deveria. O tempo vai passando e Tom não consegue falar, não consegue firmar as perninhas para arriscar os primeiros passos ou engatinhar. Os pais então começam a consultar alguns médicos e logo descobrem que o menino tem uma deficiência grave.

A partir daí, o quadrinho trata com muita responsabilidade e coragem sobre tudo que envolve os cuidados de uma pessoa com deficiência. Desde o susto inicial da família, que precisa entender e lidar com o fato de que a criança precisará de cuidados especiais pelo resto da vida, passando pelos processos de socialização que esbarram em preconceitos. Quando ainda precisa entender a condição do próprio filho, Penélope também precisa lidar com a reação das pessoas nas ruas e até mesmo com a dificuldade de encontrar uma escola inclusiva.

Jean-Paul Eid trata de todas essas questões com muita leveza, mas sem deixar de apontar as violências que perpassam a existência de uma pessoa com deficiência. O autor encontrou uma solução fantástica e poética para representar a forma como Tom vê o mundo a sua volta. Em muitas das ilustrações é como se Tom olhasse de dentro de sua cabeça para o mundo externo através de um capacete de astronauta.

A história brinca com a metáfora de que todo bebê, antes de nascer, vive vagando em cápsulas pelo espaço até chegar a hora de adentrar em uma família, e que uma vez inserido aqui esse bebê esquece dessa vivência anterior. A metáfora é que Tom não esqueceu de seu tempo de viajante espacial, portanto, ainda enxerga a realidade por outra forma. Seu próprio nome, Tom, é uma referência à música Space Oddity do David Bowie, que conta a história de um astronauta chamado Major Tom que sai pelo espaço em um foguete. A família chama o garoto, carinhosamente, de Major Tom.

A voz de Juliette é a voz principal da história e a escolha por esse olhar de criança para a felicidade e para a dor, abriu possibilidades de dar um outro tom a história. O quadrinho mostra que para cada preconceito enfrentado, também existe um acolhimento sincero e inclusivo. O pequeno astronauta é uma história que eleva a discussão sobre as diferenças e a diversidade a um outro patamar e que as vezes um simples sorriso é o necessário para justificar uma vida.