A gigantesca barba do mal do ilustrador e cartunista Stephen Collins (Editora Nemo, 2016) foi a estreia do autor dentro do estilo graphic novel e já chegou alcançando título de best-seller do The New York Times, além de finalista dos prêmios Waterstones Book Of the Year e do Eisner Award. Após ler o quadrinho entendemos perfeitamente o seu sucesso. Collins utiliza de metáforas e elementos fantásticos para falar de assuntos densos que moldam a nossa sociedade. Com um texto por vezes quase filosófico, o quadrinho nos leva a pensar sobre as formas que a nossa sociedade se organiza e do preço alto que podemos pagar ao fechar os olhos para tudo aquilo que faz parte da nossa humanidade.


Stephen Collins nos coloca dentro da ilha de Aqui, um lugar considerado perfeito em todos os aspectos. As pessoas são educadas e asseadas. As ruas são limpas, ordenadas e você não encontrará um pedaço de muro lascado ou uma erva daninha crescendo a um canto. Até mesmo as árvores obedecem a uma forma para fazer parte dessa comunidade idealizada. Em Aqui tudo é aparentemente perfeito e uma das poucas coisas que atormenta o sono dos habitantes é o mar que banha a cidade, pois do outro lado da imensidão de água existe uma cidade chamada Lá.

Se Aqui é o retrato da perfeição e da organização, Lá só pode ser o contrário. Então, para os moradores de Aqui, Lá é desordem, Lá é caos, Lá é o mau. De forma engenhosa, Collins explora a maneira como nós, seres humanos, aplicamos uma dualidade a tudo: bem e mal, bom e ruim, ordem e caos, amor e ódio. E embarcamos em uma missão impossível de assumir apenas uma faceta dessa dualidade absoluta, na interpretação de que um lado é o certo.

No centro disso tudo está Dave, o personagem pelo qual conhecemos a rotina da população de Aqui. Dave, inicialmente, é apenas mais um habitante exemplar de Aqui, até que sua mente começa a dar vazão para dúvidas e questionamentos. Dave possui dois hobbies bem interessante, que são ouvir música, especialmente a música Eternal Flame da banda The Bangles e desenhar. Dave passa horas do seu dia observando a rua e desenhando cenário e pessoas que passam por lá. Este fazer artístico acende uma faísca na mente do personagem e inicia uma revolução sem precedentes na história de Aqui.


Aos poucos Dave vai dando vazão a seus questionamento e dúvidas sobre a realidade em que vive, ao mesmo tempo que se sente mal por isso, pois vai contra a ordem natural das coisas em Aqui. Dave trabalha em uma grande corporação, executando um papel onde sempre está envolto em papéis, planilhas e apresentações e acaba percebendo que ninguém ali sabe exatamente o que essa empresa faz.

Os homens de Aqui não deixam a barba crescer, porque o desleixo com a aparência é algo inaceitável e quando a barba de Dave começa a crescer sem parar e sem nenhuma explicação lógica, todo o sistema de Aqui começa a entrar em colapso. Dave vira escória da sociedade e a situação se torna uma calamidade pública.


Com um texto bem escrito, ilustrações hipnotizantes e uma diagramação que aposta em estruturas criativas que direcionam bem nosso olhar pela página, Stephen Collins nos faz embarcar por uma fábula pitoresca que explora a sociedade e seus medos em diversos âmbitos. Nós temos uma tendência de buscar conforto no Aqui e tudo que faz parte de Lá, e que portanto é desconhecido, fica a mercê de uma interpretação rasteira que deixa o medo do diferente tomar conta. No fim das contas a história nos mostra que a experiência humana é um grande mix de ordem e caos.