Nada a perder do Jeff Lemire (Editora Nemo, 2018) é um quadrinho com pinta de thriller de ação e drama que facilmente poderia ser interpretado pelo Liam Neeson. Na história, conhecemos Derek Ouelette, um cara que era uma grande promessa do hóquei e que por conta de sua personalidade explosiva precisou se afastar do esporte. Com isso, ele volta para a pequena localidade na qual foi criado, um lugar afastado, meio provinciano e com um inverno tão rigoroso quanto as mágoas de Derek.


O homem é uma figura conhecida da cidade e ao mesmo tempo que afasta as pessoas por conta de sua fama de agressivo, vez ou outra acaba entrando em confusões por conta de outros valentões que gostam de uma boa briga. Derek nunca se faz de rogado e não sai de uma provocação sem deixar alguns olhos roxos e dentes quebrados.

Um de seus únicos amigos, que também é policial na cidade, está sempre colocando sua posição em risco por fazer vista grossa diante dos problemas que Derek se mete. Então, Derek acaba se safando de muitas situações onde suas agressões deveriam leva-lo direto para a prisão.



O quadrinho vai nos apresentando à personalidade de Derek aos poucos e toda sua rotina de homem quebrado. Vemos que ele mora num quartinho apertado, vive passando pelo ginásio da cidade, como se pudesse se conectar um pouco com os tempos de glória, e no mais, dedica suas horas à bebida no principal bar da região. Entre um flashback e outro, somos apresentados ao seu passado e às condições que o levaram a se tornar alguém que parece não ter nada a perder. Mas quando sua irmã retorna, depois de anos sem qualquer contato, Derek irá se reconectar com um sentimento que parecia não fazer mais parte de sua vivência. 

As ilustrações de Jeff Lemire prendem o nosso olhar e casam perfeitamente com a narrativa. O autor transporta todo o drama e a violência da história para o traço e o cenário gélido serve de metáfora para a própria vida do protagonista. Como é uma história que acessa memórias de formação e os caminhos que uma vida pode levar tanto pela casualidade, como por um impulso violento, Lemire utiliza de um elemento criativo que literalmente acompanha o passo a passo de Derek e sua irmã. Eles são os únicos personagens onde existem frames que focam em seus pés em movimento na neve com onomatopeias que representam um passo após o outro.



Juntamente com sua irmã, retornam lembranças de uma vida muito dura. Tudo aquilo que Derek e sua irmã Bethy tentaram esquecer através do álcool e das drogas, emerge de uma maneira tão violenta como a vida que passaram a levar. A revisitação do passado se torna também uma revisitação das dores, onde Derek e Bethy vão perceber que a vida, por mais difícil que seja, é feita de escolhas. No fim, fica para as personagens e nós leitores a certeza de que sempre temos algo a perder