Mau caminho do Simon Hanselmann (Editora Veneta, 2019) é um quadrinho que se mantém em um lugar que por muitos anos fora o único onde os quadrinhos podiam existir: o underground. Ele possui características que, ainda hoje, são mais comuns de serem encontradas se seus autores apostarem em uma produção independente, pois apresenta uma história que passa longe do politicamente correto. No mau caminho de Hanselmann você vai encontrar sexo, drogas, deboche e todo tipo de patifaria sem filtros. O autor escolheu rir de muitas das mazelas da nossa sociedade (e do próprio moralismo) e nada como uma boa paródia, aparentemente despretensiosa, para escancarar os problemas mais esdrúxulos da vida real.


Os personagens de “Mau caminho” desistiram de qualquer máscara social. Eles estão sempre bêbados, drogados e parecem ter apenas dois motivadores na vida: conseguir pagar o aluguel e comprar suas drogas. É uma comédia sombria, que nas primeiras páginas nos dá a impressão de ser apenas uma vontade incontrolável do autor de chocar seus leitores, mas conforme vamos conhecendo um pouco mais sobre cada personagem e suas camadas, percebemos que toda a insanidade apresentada é uma ferramenta para discussão sobre a realidade, sobre traumas pessoais e como nos organizamos como sociedade. Nenhuma das questões que Simon apresenta são estrangeiras a nossa realidade, são temáticas que a gente procura fingir que não existem, e que vez ou outra cola em nosso ombro.


As histórias de Megg, Mogg, Coruja e Lobisomem Jones nasceram de forma inusitada. Simon Hanselmann os criou com intuito de fazer uma paródia de uma série de livros infantis chamada Meg & Mog de Helen Nicoll e Jan Pienkowski. Publicada pela primeira vez na década de 1970, os livros contam a história de Meg, uma bruxa cujos feitiços sempre parecem dar errado. Meg está sempre acompanhada de Mog gato listrado, e seu amigo Owl. A paródia de Hanselmann, que era publicada no Tumblr, acabou fazendo muito sucesso e Vice contratou Simon para transformar Megg, Mogg & Owl em uma tira semanal.

Mau caminho chega com um humor cínico e podemos perceber que a história possui algumas nuances de autobiografia. A própria protagonista Megg é uma espécie de alter ego de Hanselmann. Nas primeiras páginas dessa publicação da editora Veneta somos apresentados a uma espécie de flashback para contextualizar a história de Megg e Mogg, uma vez que essa edição que chega ao Brasil é uma continuação, não é o primeiro volume da série, o que não necessariamente atrapalha na experiência de leitura, pois as histórias podem ser lidas de forma isolada.


Uma leitura rasa do quadrinho verá apenas uma história com drogas e putaria, mas um olhar mais detido para as analogias e metáforas apresentadas ali, perceberá que Simon está falando da vida partindo de experiências pessoais. O assunto drogas, por exemplo, faz parte da própria vivência do autor, que viu sua mãe chegar a um estado crítico por conta do uso de drogas.

As artes de Simon são um capítulo à parte. Ele fala de uma realidade onde o senso comum esperaria encontrar apenas representações em preto e branco. Diferentemente disso, Simon usa e abusa das cores e faz experimentações interessantes. Usa muito o lápis de cor, que dá um efeito interessante na obra, além de utilizar também de colorantes para comida, alimentos.