Lançar mundos no mundo: Caetano Veloso e o Brasil do Guilherme Wisnik (Editora Fósforo, 2022) é um livro que possui uma abordagem diferente do que costumamos encontrar quando se trata da análise das memórias de um artista. A obra não olha apenas para o cantor Caetano Veloso como um dos maiores artistas do país, mas também parte para uma análise do que podemos encontrar de brasilidade em sua obra, assim como os aspectos que podem definir o que seria uma identidade nacional. É um olhar sobre o Brasil que pariu Caetano e o Caetano que se pariu no Brasil através das artes.



Apesar de passar por episódios marcantes da vida e obra de Caetano, o livro não é exatamente uma biografia, mas uma espécie de radiografia sobre as maneiras que a história de um artista pode entrelaçar com a história do país. “Lançar mundos no mundo” é uma reedição de “Folha explica: Caetano Veloso”, que foi lançado originalmente no ano de 2005 e que ganhou uma revisão e capítulos novos.

Todo o livro demonstra a importância do posicionamento político dos artistas para a cultura de um país. Quando falamos de posicionamento político, não necessariamente estamos dizendo sobre política partidária, filiações ou declarações a favor de um ou outro candidato, mas da manifestação da visão de mundo de um artista através de sua produção. Isso Caetano fez e sempre fará.

Toda a política mais afiada, presente no modo como Caetano lê o mundo e o tensiona, passa não por uma análise político-econômica das estruturas sociais, ou pelo alinhamento artístico a alguma "causa" derivada de injunções ideológico-partidárias, mas por uma estética das relações humanas, cujo motor é essencialmente corporal e erótico.
Em tempos onde alguns se incomodam com as vozes de artistas sobre a situação política do país, este livro se torna um bom exemplo ao demonstrar que a arte é essencialmente política. Em vários capítulos, Wisnik analisa as letras de canções famosas de Caetano e como elas se tornaram retratos de diversas épocas do Brasil. A música “Um Índio” de 1976 é um dos exemplos de como a composição de Caetano é atual e profética. Quando lemos o trecho da música que diz: “Depois de exterminada a última nação indígena/ E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida.” poderíamos facilmente estar falando sobre a tragédia ambiental perpetuada pelo governo Bolsonaro.

Caetano sempre foi um desestabilizador de consensos, de certezas cristalizadas, agindo com a independência de quem pode entrar e sair de todas as estruturas, como bradou violentamente contra a plateia universitária na apresentação de “É proibido proibir”, em 1968. Nesse sentido, como explica Luiz Tatit, Caetano é menos um artista da liberdade (“poder fazer”) do que da independência (“poder não fazer”). É sob esse prisma que consegue contrabandear registros múltiplos e dissonantes para o interior do resguardado campo da MPB.

Guilherme Wisnik disse em uma entrevista que: "Para muitos artistas, nascer no Brasil é um acidente, um detalhe. Para Caetano, não. Ele sempre pensou muito em sua obra a partir desse enraizamento." Portanto, esse é o fio condutor do livro. A obra de Caetano mostra toda essa brasilidade desde o movimento tropicalista e até mesmo no período tenebroso da ditadura. O regime conseguiu tirar Caetano do Brasil, mas o Brasil não saiu de Caetano.