Depois que o Brasil acabou do João Pinheiro (Editora Veneta, 2021) é um quadrinho genial que ilustra sem medo o mar de lama que o Brasil se transformou a partir do golpe de 2016 e a chegada de Jair Bolsonaro à presidência da república. Com um texto afinado e ilustrações que exploram os principais acontecimentos políticos e escândalos de corrupção dos últimos anos, vemos desfilar pelas páginas os vilões mais que dignos dessa alcunha e super heróis que nada mais são que o povo brasileiro tentando sobreviver ao descaso do poder público, enfrentando a volta do país ao mapa da fome e uma pandemia que escancarou ainda mais as desigualdades sociais.


A HQ reúne trabalhos publicados na revista Cavalo de Teta, na coletânea Na Quebrada: quadrinhos de Hip Hop #1, no blog da editora Veneta, no programa Convida do Instituto Moreira Salles e outros títulos.

Nas ilustrações o Brasil está um caos, literalmente devastado, como se uma guerra estivesse acontecendo. Entre os escombros tremula a bandeira nacional e desfilam, de forma caricatural, as figuras políticas e sociais que foram pivôs do desmantelamento de uma nação que já carregava sérios problemas que só se intensificaram através de um projeto de governo que odeia as minorias e governa em favor próprio.

O quadrinho é estruturado em formato de pequenas histórias, como se fossem crônicas ilustradas de situações tão atuais e recorrentes que dá a impressão de estarmos lendo um jornal com consciência de classe. Todas as ironias e provocações do quadrinista são fortes e legítimas, pois vem de um artista que conhece a periferia de perto.

João Pinheiro expõe e denuncia aqueles que sequestraram a democracia, que contribuem para a manutenção das desigualdades e aumento da violência, e também não deixa de ironizar figuras que aparecem como revolucionárias, mas que não possuem estratégias realmente eficazes de enfrentamento da realidade. O autor brinca com a separação entre heróis e vilões, que é uma forma bem maniqueísta de ver o mundo e uma ótima metáfora para o intenso processo de polarização política que vivemos hoje.

De mais a mais, é tudo caótico nesse governo e as informações das “autoridades” chegam embaralhadas. Por isso banco que a quarentena é uma ilusão de classe média. Na prática não existe isolamento da população. Não na periferia, pelo menos.


Os quadrinhos sempre foram um meio mais subversivo e livre para expressão de ideias e em "Depois que o Brasil acabou" o João Pinheiro utiliza dessa liberdade para expor sua visão e de uma boa parcela da sociedade sobre o Brasil contemporâneo. Para além do contexto político e social que rege a obra, o livro também é uma viagem incrível pelo quadrinho enquanto linguagem narrativa.