A irmã da sombra: a história de Estrela da Lucinda Riley (Editora Arqueiro, 2016) é o terceiro volume da série “As sete irmãs”, uma saga familiar que narra a busca de cada uma dessas mulheres por suas origens. O ponto de início de cada volume é a morte de Pa Salt, a figura paterna e adotiva que elas conhecem, e que ao partir deixou pistas para que elas fossem atrás da própria história, caso quisessem. Como ponto em comum, elas possuem as coordenadas de seu local de nascimento registradas numa esfera armilar instalada no jardim da casa que foram criadas e uma carta de despedida. As demais pistas vão variando conforme a história e servem como guia para interligar passado e presente.


Quanto mais avançamos na história de cada irmã, conhecemos mais detalhes sobre a família D’Aplièse, enquanto a figura de Pa Salt só fica mais nebulosa e instigante. Não sabemos o porque do homem ter reunido todas as meninas em uma mesma casa, nomeando-as com os nomes das estrelas da constelação das Plêiades, grupo da constelação do Touro. A única certeza que temos é que elas cresceram cercadas de muito carinho e todas devotam um grande amor pelo pai. Nem mesmo as filhas conhecem o passado de Pa Salt e a única pessoa que parece conhecer suas intenções é Marina, a tutora das irmãs, mais conhecida pelo apelido carinhoso de Ma.

Lucinda Riley não perde o fôlego. Ela nos conta a história da terceira irmã com todos aqueles elementos característicos dos demais volumes da série, como a vinculação de personagens e acontecimentos históricos reais com acontecimentos e personagens ficcionais, uma rica exploração das localidades onde a história se passa explorando questões como a cultura, costumes e idioma, através de uma narrativa muito bem amarrada, que passeia entre passado e presente para traçar uma árvore genealógica.

Estrela começa a encontrar as trilhas para sua origem em Londres, Inglaterra. Uma das pistas de seu pai a levam para uma livraria especializada em livros raros e lá ela conhece o excêntrico Orlando, dono da livraria Artur Morston que devota sua vida aos livros e não perde um leilão de obras raras e especiais. Orlando, inclusive, recebeu esse nome em homenagem ao famoso romance de Virginia Woolf.

Embora já estivesse acostumada ao inglês entrecortado falado em Londres pelas classes mais abastadas, meu novo amigo levava esse conceito um pouco além. Um verdadeiro inglês excêntrico, pensei, e isso me fez gostar dele. Aquele homem não tinha medo de ser exatamente quem era e eu sabia que isso exigia muita personalidade.


Estrela é uma apaixonada por literatura e sonha escrever seu próprio livro, então sua ligação com Orlando e a livraria garantem passagens muito interessantes do livro. Os diálogos entre Estrela e Orlando são uma delícia e servem para demarcar a importância da literatura e dos livros na formação da personalidade da protagonista, além de estabelecerem raízes com sua geração passada. A própria livraria é um elemento importante na investigação sobre o passado de Estrela.

Uma personagem real que aparece em “A irmã da sombra” é a clássica escritora de literatura infantil Beatrix Potter. Em suas pesquisas sobre o passado, com a ajuda fundamental de Orlando, Estrela chega até à Flora MacNichol, que parece ser uma peça chave para entender suas origens. Flora foi uma grande amiga de Beatrix Potter e no desenrolar da relação entre as duas, Lucinda Riley vai pincelando acontecimentos reais e ficcionais,  onde fica difícil perceber o que é fato e o que é ficção. Outra personalidade real da história é Alice Keppel, célebre figura da sociedade londrina. Keppel era uma das amantes do rei Eduardo VII, mais conhecido como Bertie, e o monarca era visita frequente da casa em Portman Square. Violet e Sonia eram filhas de Alice Keppel. Aos dez anos, Violet conheceu Vita Sackville-West, que era dois anos mais velha. Uma intensa amizade cresceu entre as duas jovens que se tornaram amantes na idade adulta.

O livro vai se desenrolando entre passado e presente através dos diários de Flora MacNichol que começaram a ser escritos por volta de 1909 e dos pensamentos de Estrela. Devido à personalidade de Estrela, a sua narração é extremamente importante para o livro. Por ela ser uma personagem introspectiva, conhecemos mais detalhes sobre sua vida através dos seus pensamentos do que através de seus diálogos com outros personagens. Estrela é uma mulher em busca de suas origens, mas também de sua própria voz.

"- A música é o amor à procura de uma voz" - falei entre os dentes, citando Tolstói. Agora precisava encontrar a minha voz. E também a coragem para usá-la.

A faceta silenciosa de Estrela também é explorada através da relação com sua irmã Ceci. Desde crianças, e também porque foram adotadas quase que na mesma época, as duas estabeleceram uma relação de quase simbiose. Elas nunca faziam nada separadas e depois de adultas se jogaram no mundo, atendendo mais a um desejo aventureiro de Ceci do que de Estrela. Ceci sempre foi a voz de Estrela e assim, meio que sem perceber, Estrela foi se tornando a irmã da sombra. Quando decide investigar sua família de origem é que, consequentemente, Estrela e Ceci vão se distanciando para poderem encontrar a si mesmas.

Um diferencial desse terceiro volume de “As Sete Irmãs” é que temos a voz de Ceci como uma estratégia narrativa necessária para contar a história de Estrela. De todos os livros, acredito que seja o que tenha mais participação de uma das irmãs que não seja a que protagoniza o livro, pois, no caso de Ceci e Estrela se torna quase impossível contar a história de uma sem passar por suas vivências em comum.

“A irmã da sombra: a história de Estrela” é um livro cheio de surpresas, reviravoltas e pistas que remontam aos dois primeiros volumes da série, o que demonstra a destreza de Lucinda na concepção da saga. Ela consegue fazer ligações com cenas já acontecidas em outros volumes, só que agora sob a ótica de Estrela, o que faz com que nós, enquanto leitores, tenhamos um quadro mais amplo dos acontecimentos. Com certeza, podemos esperar que alguns fatos do terceiro volume serão explorados nos livros que dão sequência a saga. Isso colabora com uma espécie de mapa mental que vamos construindo conforme mergulhamos em cada história contada.