Pequena enciclopédia de seres comuns da Maria Esther Maciel (Editora Todavia, 2021) é um livro divertido que convida os leitores a conhecer alguns seres bastante íntimos e outros nem tanto, que habitam nosso planeta e nosso imaginário. A autora brinca com a estética dos clássicos manuais naturalistas utilizando de um texto que mistura elementos científicos e biológicos com escrita poética. As ilustrações da Julia Panadés aparecem como um importante elemento, pois, somado à escrita de Maria Esther nos transporta para o universo dos seres comuns com boas pitadas daquilo que também faz parte do imaginário social em relação a cada ser catalogado na obra.


Este livro talvez não exista. Ou melhor: sua inexistência é o que, provavelmente, o justifica enquanto livro. Foi escrito por uma bióloga que não é bióloga, mas finge ser uma, na medida do impossível. Já os seres vivos nele incluídos – todos classificados segundo certas peculiaridades de seus nomes comuns – têm uma realidade irrefutável: seja pela ciência, pela literatura ou por nenhuma das duas.

Maria Esther Maciel separou o livro em três partes. A primeira dedicada a todos os seres que são conhecidos para além de seu nome científico e apelidados de “marias – alguma coisa”. Nada mais brasileiro que isso. Um exemplo é a Maria-dormideira, “que é uma planta sensitiva que recolhe suas folhas em resposta a alguns estímulos” e que fez parte da infância de muitos brasileiros. Quem nunca se divertiu passando o dedo nas folhas da “Maria-dormideira” só pra ver ela se fechar lentamente diante de nossos olhos? O livro apresenta também a “Maria - sem vergonha”, que recebeu esse nome por ser “uma planta fácil, que se adapta sem problema a qualquer terreno”. É daquele tipo de planta que nasce em areia e também em asfalto.

A segunda parte do livro é dedicada aos joões. Entre “João – baiano”, “João – bobo”, “João – cachaça” e outras dezenas de joões destaco, como diz a autora, “o joão mais óbvio do reino dos bichos”: o João-de-barro.

De dorso marrom-avermelhado e cor ocre no ventre, tem sobrancelhas explícitas. As cores da pena variam de acordo com o território em que ele vive. Na Argentina, por exemplo, onde é tido como a ave símbolo do país, elas tendem a uma certa palidez cinza. Por ser arisco, prefere o aconchego de sua moradia. Aliás, é um arquiteto de primeira, construindo sua casa de forma exímia, junto com sua parceira. Feita de barro, palha e esterco, tem formato de forno e pode pesar até doze quilos.



Na terceira parte desfilam os seres nomeados “viúvas e viuvinhas”, como o pássaro “Viuvinha – de – óculos” que possui uma auréola ao redor dos olhos, lembrando óculos. A famosa e temida aranha “Viúva – negra” cuja fama “se deve ao fato de que devora o parceiro após a cópula”.

Na quarta parte aparecem os “Híbridos”. São aqueles seres que recebem nomes conjugados de espécies completamente diferentes por estabelecerem algum tipo de similaridade (muitas vezes apenas física), como o “Arbusto-borboleta”, o “Bagre-sapo”, o “Besouro-rinoceronte”, o “Bromélia-zebra, e outros seres que nos causam divertimento e diversos tipos de outros sentimentos e sensações por sua aparência. São seres que se parecem com outros e que por isso acabam recebendo nomes populares divertidos. O “Besouro-rinoceronte” é um inseto com chifre curvo no meio da testa, a “Gazela- girafa” um antílope com pescoço e pernas super longas, o famoso “Peixe-boi-da-amazônia”, um grande vegetariano com corpo de morsa e traços bovinos.

A diagramação do livro dá destaque aos nomes populares de cada um dos seres e logo em seguida apresenta seu nome científico. Assim, a obra funciona também como uma espécie de livro informativo e divertido sobre os tais seres comuns. Para além disso, chama atenção a forma leve e despretensiosa com que a autora construiu o texto, que apresenta informações científicas de cada ser, mas também incrementa com uma ou outra informação que tem a ver com sabedoria popular, crendices, culturas regionalizadas e demais facetas da nossa imaginação na relação com os animais e as plantas.

Há poucos dias li um tweet da escritora Noemi Jaffe, onde ela dizia que: “quem olha para a floresta e vê árvores, terra e bichos, tem a si mesmo e ao outro assegurados e pode viver com alegria. Quem olha para a floresta e vê madeira, metais e pasto, não reconhece a si e nem ao outro e precisa da destruição para compensar esse buraco.” O “Pequena enciclopédia de seres comuns” me remeteu exatamente a essa visão. Maria Esther Maciel olha com olhos de ver para os seres e através de seu texto poético nos lembra que somos todos, bichos, plantas, flores e seres humanos partes de um mesmo sistema.