Iluminações: uma cerveja no inferno do Jean-Arthur Rimbaud (Chão da feira, 2021) é um livro que reúne poesias que marcaram uma época. As poesias ou Iluminações aqui encontradas seguem sendo um exemplo de como uma obra pode estar completamente intrincada com a própria vida do autor e aqui falamos de um poeta raro. Rimbaud morreu jovem, com apenas 37 anos acometidos por um câncer. Sua produção não é extensa, mas foi o suficiente para que ele se tornasse um dos maiores poetas da modernidade. As Iluminações, assim como sua personalidade, por vezes problemática e intensa, são carregadas de ironias e de estruturas textuais que modificaram a forma de olhar e fazer poesia a partir do momento em que sua obra se tornou objeto de estudo. As Iluminações são também aquilo que a própria palavra iluminação carrega consigo, um clarão que somente a palavra literária é capaz de sustentar. Rimbaud foi um poeta de vida e obra lendárias.


É quase que impossível se debruçar sobre suas poesias sem adentrar de alguma forma em sua história de vida. Um dos fatos mais impressionantes é que Rimbaud começa a produzir literatura muito jovem. Quando começa a escrever e a frequentar os grupos literários da França ele ainda está na faixa entre os dezesseis e dezessete anos. Já nessa época se mostra como alguém que procura uma “inovação” na poesia, o que ia de encontro com seu espírito inquieto e provocador. Nos grupos literários, onde convivia com poetas que queriam sempre afirmar a própria genialidade, Rimbaud não conseguia enxergar toda essa qualidade. Um dos acontecimentos que mais ilustram esse fato e que justifica parte da tensão que ocorria entre Rimbaud e demais escritores, se refere a um dia em que enquanto os poetas declamavam suas poesias de peito inflado, Rimbaud bradava a cada ponto final: “Merda!”.

Fatos como esse fizeram com que o poeta não fosse muito apreciado nos círculos literários. Ele carregava uma fama de ser ruim como pessoa e de sempre ter uma palavra de sarcasmo ou deboche para tudo aquilo que o incomodava. Era visto por todos acima de tudo como um libertino. Rimbaud tinha gosto por viajar e o fazia mesmo sem dinheiro, sendo que muitas vezes chegara a ser detido como uma espécie de andarilho e ele não tinha medo de enfrentar milhares de quilômetros, mesmo que fosse a pé.

Tenho dos meus antepassados gauleses os olhos branco-azuis, o cérebro acanhado, a inabilidade na luta. Uso roupa de bárbaro, como eles. Mas não ponho manteiga no cabelo. 
Os gauleses eram os esfoladores de animais, os pirómanos de ervas mais ineptos do seu tempo. 
Deles, detenho: a idolatria e o amor do sacrilégio; - oh, sim, todos os vícios, cólera, luxúria, - magnífica, a luxúria; - e, sobretudo, mentira e preguiça... 


<< A bandeira reflecte a paisagem imunda e a nossa gíria abafa o som do tambor. 
<< Nos centros alimentaremos a mais cínica prostituição. Massacraremos as revoltas lógicas. 
<< Às terras aromáticas e dóceis! - ao serviço das mais monstruosas explorações industriais ou militares. 
<< Até mais ver!, não importa onde. Recrutas do próprio querer, teremos a filosofia feroz; inaptos para a ciência, esgotados para o conforto; e que os outros rebentem. Este é o caminho. Em frente, marcha!>>



Chegou a flertar com o movimento comunista da França, teve uma breve experiência como marujo e apesar de ter rejeição aos principais modelos de trabalho aos quais as pessoas precisam se sujeitar, ele acabou tendo que realizar uma série de trabalhos considerados "menores" para sua própria sobrevivência e para bancar sua impossibilidade de se firmar em apenas um lugar. 

Um dos pontos mais polêmicos da vida de Rimbaud foi sua relação amorosa com o também poeta Paul Verlaine, um dos poetas mais importantes do simbolismo. Os dois viveram um romance intenso, conturbado e a vista de todos. Rimbaud viveu um tempo na casa de Verlaine após ele ter acesso a alguns de seus textos e enxergar um grande potencial no rapaz. Paul Verlaine era casado na época, mas isso não o impediu de se apaixonar pelo atraente Jean-Arthur Rimbaud. Os dois quase se destruíram.


Rimbaud abandonou a literatura em 1875. É fascinante pensar que ele começou a se dedicar com afinco à escrita em meados de 1870. Em apenas 5 anos e ainda na adolescência ele produziu obras que ficariam eternizadas na história da literatura francesa e mundial, que se tornaria um marco e que é estudada ainda hoje.

Mal se aquietou a ideia de Dilúvio,
Uma lebre parou entre os sanfenos e as ondulantes campânulas e fez a sua prece ao arco-íris através da teia da aranha.
Oh! as pedras preciosas que se escondiam, - as flores que já olhavam. 

“Iluminações: uma cerveja no inferno” que também pode ser encontrado no Brasil sob o título “Uma estação no inferno” dá notícias de um desajustamento que sempre acompanhou a vida de Rimbaud e que foi transferido para a poesia. Sua escrita foge da ideia de representação do real para se tornar uma crítica contundente ao real. É como se Rimbaud tomasse em mãos o real e o simbolismo que se espera da escrita poética e passasse por um filtro que só obedece ao seu fluxo de pensamento, à sua forma de enxergar o mundo. É mais uma interpretação de seu fluxo de pensamento, que parece propositalmente se afastar de qualquer característica que faça o texto se fincar apenas na realidade.

As Iluminações de Rimbaud extrapolam as noções de sentido, as sensações e para isso usufruem das imagens. Seus poemas são uma espécie de cifra e não poderiam ser diferentes. Se Rimbaud gostava do que era rebelde e revolucionário, a ponto de ser apelidado de “o poeta maldito” seus poemas não poderiam fugir a esse contexto. Rimbaud buscava liberdade, revolução, rebelião. Rimbaud era um desajustado.