Potlatch do Guilherme Gontijo Flores (Editora Todavia, 2022) é um livro de poesias que convoca os leitores para acessar céu e terra, modernidade e ancestralidade, ruína e ascensão, grito e silêncio, passado e presente. O texto de Guilherme é desafiador e apresenta uma lírica que explora as palavras de forma a trazer sensações diversas, assim como caminha bem entre o clássico, o oral e o contemporâneo. A obra se divide em quatro partes, sendo elas “A parte da perda”, “Colheita estranha”, “Três estáticas” e “Cantos pra árvore florir”. Concebe uma livro que deixa nítido o fato de que estamos diante de um poeta com vasto repertório.
O próprio título do livro – “Potlatch” foi um dos elementos que chamaram minha atenção para a obra, palavra que se trata de uma cerimônia executada por algumas sociedades primitivas, onde se promovia troca de presentes com intenções pouco usuais para nosso olhar:
"Potlatch", palavra do Chinook, uma família de línguas indígenas da América do Norte, define a cerimônia em que membros do grupo investiam numa troca violenta - e bastante perdulária, diga-se - de oferendas e presentes. Muitas vezes, na vertigem do exagero, destruíam-se riquezas como uma maneira de demonstrar superioridade sobre o outro. Nesse rito, em que é mais rico aquele que mais perde, se afirmavam os vínculos com os humanos e com os deuses, por meio de cantos, danças, contos, jogos e discursos.
No poema que abre o livro Guilherme Gontijo Flores já mostra a força do que vem nas páginas a seguir. Uma verdadeira cerimônia se abre com o autor bradando:
Você vai morrer sozinhoVai ser sepultado sozinhoVocê vai morrer sozinhoVai ser sepultado sozinhoPense por isso no diaQue você vai morrer sozinho
Eu, como leitor, já não soube mais o que jogar de meu na roda, depois do impacto dessas primeiras palavras e de ter me colocado dentro do ritual. Fechei o livro com uma certa taquicardia e com a certeza de que naquele momento não tinha como continuar. Dois dias depois, e após pesquisar sobre o significado do Potlach e algumas curiosidades sobre o autor retomei a leitura do livro. Justamente por ter me causado uma sensação inesperada eu sabia que aquele era um livro que devia ser lido, principalmente por que não sou um resenhista das técnicas e estruturas literárias, pois me interesso muito mais pelas sensações que me levam pela mão enquanto leio.
As poesias de Guilherme alcançam lugares difíceis de descrever. Elas falam sobre tudo e também falam sobre o nada. Elas tocam a terra, mas também alcançam o cosmos. São escritos que definitivamente falam sobre a grandiosidade de tudo. Até mesmo da grandiosidade do que é pequeno.
Quando o sol se desenrolare quando cada estrela desabare quando cada monte passeare quando a canela prenhe se largare quando cada fera se juntare quando arder em todo o mare quando cada alma emparelhare quando a enterrada viva explicarpor que motivo a podem trucidare quando a escrita se desenrolare quando o céu se esfolare quando o inferno se atiçare quando o paraíso se achegarentão toda alma tudo saberá
Potlatch utiliza da poesia para explorar, visitar e revisitar culturas, para abordar os sentimentos humanos e o que há de mais íntimo, natural e fascinante na vida em sociedade. É mais um exemplo de como o texto poético bem escrito pode acessar sentimentos e reflexões que nem mesma a gente sabia onde estavam guardados.
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