A chegada de Shaun Tan (Edições SM, 2011) é um livro ilustrado que presta homenagem às histórias de migrantes e imigrantes de todo o mundo. Utilizando apenas de imagens, a narrativa nos mostra o esfacelamento de uma família que precisa se separar de um pai que irá embarcar em uma jornada para uma terra desconhecida. Shaun Tan é um artista reconhecido pela beleza de seu trabalho gráfico e também pelo toque fantástico e surrealista que emprega a muitas de suas obras. Em "A chegada" essa característica aparece muito bem empregada na missão de transportar para os leitores sensações de não-pertencimento, deslocamento, estranhamento, medo do desconhecido e muitos dos choques culturais que fazem parte da partida de sua terra para um lugar desconhecido. 


Com uma edição primorosa, somos logo impactados pela imagem da guarda do livro. Ficamos diante de ilustrações de dezenas de rostos de imigrantes vindos de diversas regiões do mundo. Assim, o livro já faz um movimento contrário ao que se vê em relação às vivências de pessoas imigrantes - o estigma da não existência, do invasor. Para essas ilustrações, Shaun se inspirou em fotos reais de passaportes tiradas em Ellis Island, Nova York, no período entre 1892 e 1954. 


Partindo da história de uma família que precisará se dividir, vemos representados em cada página uma homenagem a cada pessoa que precisou se separar de sua família, de seu país e de seus costumes para conseguir sobreviver. Nas primeiras páginas, frame a frame vemos o desenhar dos afetos e das memórias daquela família que tem medo e também esperança de que esse seja um passo significativo para uma mudança de condição. Enquanto o pai embrulha seus poucos pertences, embrulha também suas memórias, suas lembranças. 


A história de "A chegada" poderia ser a história de milhares de famílias que tiveram seus direitos violentados, assim como também representa de forma subjetiva os diversos motivos que leva alguém a partir. Com muita sensibilidade e destreza Shaun Tan apresenta diversas situações e deixa muitas pistas nas imagens. Não sabemos se a família está buscando novas oportunidades por conta da fome, de uma guerra, de uma epidemia, de uma perseguição política, mas podemos dizer com toda certeza que esses e outros motivos estão representados ali pelo traço surrealista do artista. 


Uma ameaça paira sob uma cidade como a representação de todos os males que tornam a vida ali impossível para um grupo de pessoas. As cores utilizadas também nos dão alguns sinais das condições de vida daquela família e daquele povo. 


O que chama atenção na obra é também o fato de sua similaridade com o cinema. Vinheta após vinheta um filme vai se desenrolando na cabeça do leitor. As ilustrações são dispostas de uma maneira que explora ângulos que se assemelham a um movimento de câmera. Lemos a história hora de muita perto da cena, hora de longe ampliando o plano. As vezes estamos de cima e as vezes acompanhando até um movimento das mãos ao realizar um trabalho. Todos esses elementos desafiam a imaginação do leitor que vai criando a sua própria interpretação. 


O personagem esbarra com cenários fantásticos e surreais e até os animais são completamente estranhos. Podemos interpretar essa representação da realidade como a chegada de alguém a um lugar que não conhece, que não domina a língua, onde a cultura é completamente diferente e até os sabores dos alimentos são uma novidade. As diversas imagens das cidades pelas quais nosso personagem passa exploram esse estranhamento, medo e curiosidade perante o novo. É tocante alguns encontros que estabelece com outros personagens que passam por seu caminho e que contam suas histórias e as circunstâncias que os levaram a estar onde estão. 


"A chegada" é um livro recomendado para todas as idades. Shaun Tan consegue romper com a ideia de que livro ilustrado é só para crianças e nos apresenta uma obra que é também uma vivência literária e estética. Quebra também com a ideia de que a dita literatura infantil ou juvenil não pode falar sobre assuntos mais densos. Sem perder o caráter do encantamento "A chegada" é também uma obra sobre contexto histórico, sobre humanidade, artes, política, vida em sociedade, conflitos e direitos.