Blacksad: algum lugar em meio às sombras de Díaz Canales e Guarnido (SESI-SP Editora, 2017) é o primeiro volume de uma série de quadrinhos que foi lançada originalmente na França. Blacksad é um projeto que levou sete anos para ser realizado pelas mãos dos artistas espanhóis Canales e Guarnido. Na história acompanhamos o personagem John Blacksad, um gato preto que trabalha como investigador particular. A obra tem uma nítida pretensão de explorar uma atmosfera noir que remete aos filmes produzidos nos anos 50. O roteiro de Canales com os traços incríveis de Guarnido elevam a história a um outro patamar e realmente embarcamos numa aura de investigação, assassinato e mistério.
Vez ou outra me aventuro na leitura de quadrinhos. Apesar de não ser um gênero que leio com frequência, sempre fico maravilhado com as ilustrações e a forma com que os idealizadores conseguem fazer texto e imagem coexistirem de uma forma muito peculiar e que se assemelha a um filme. Tudo ali precisa estar no ponto para que o leitor entenda a narrativa. Os quadrinhos já foram vistos como um gênero menor e sempre tiveram sua qualidade contestada por alguns críticos e apreciadores de literatura, mas nas poucas experiências que tive com esse tipo de leitura, me chamou a atenção a complexidade que é criar uma história em quadrinhos. Além de demandar um volume muito grande de ilustrações, a parte escrita precisa trazer elementos que vão se somar a tudo que também está sendo dito por imagens e em muitas publicações o que vemos são verdadeiras obras de arte carregadas de elementos gráficos e narrativos rebuscados.
Blacksad é mais uma dessas obras que encantam pela qualidade do que é entregue. A interpretação por imagens criada pelas aquarelas de Guarnido é um deleite. A cada frame de quadrinho somos bombardeados por muitos detalhes que de forma alguma são exagerados ou exaustivos. Cada cenário daquele, repleto de elementos, nos dá pistas sobre os rumos da história.
No primeiro volume Blacksad investiga a morte violenta de uma atriz que também já foi sua amante. Sendo assim, ele possui muito mais do que uma vontade de solucionar o caso, uma vez que esse assassinato acaba se somando a sua própria história de vida e a esse romance que parece ter sido muito intenso. Com sua sede de justiça, acaba colocando pra fora todo seu temperamento mais durão e agressivo, além de algumas estratégias de investigação nada convencionais, bem aos moldes de "o fim justifica os meios".
Cada personagem é representado por um animal diferente. Esse detalhe agrega a obra um caráter fantástico e devido a ambientação cosmopolita podemos fazer uma relação com o lado mais selvagem das relações, o homem como o lobo do homem. A história se passa em um ambiente de cidade onde os animais e seus instintos servem de caricatura para a personalidade de cada um dos personagens. No fim serve como uma grande metáfora para um mundo selvagem. Aqueles animais que consideramos asquerosos são escolhidos para representar os vilões, aqueles mais fortes são representados por ursos e rinocerontes e a própria escolha do gato preto como protagonista e detetive tem uma referência a máxima de que "a curiosidade matou o gato".
As vezes, quando entro em meus escritório, tenho a impressão de estar caminhando entre as ruínas de uma civilização antiga. Não por causa da desordem e do caos, mas justamente porque aqueles escombros parecem os vestígios do ser civilizado que um dia eu fui.
Apesar de se tratar de uma história com mais quatro volumes, "Blacksad: algum lugar em meio às sombras" é uma história que tem começo, meio e fim. A narrativa é bem redonda e conclui grande parte das questões que se apresentam. A gente termina a leitura satisfeito com o que leu e ansiosos por ver mais deve universo caótico, sombrio, violento e misterioso.
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