Abrace-me enquanto ainda estou aqui: pequenos textos sobre breves momentos de Thamires Mussolini (Editora Letramento, 2020) é um livro composto por textos curtos que se aproximam do poema, da poesia e dos contos. Thamires olha para o cotidiano, para as próprias emoções, para o feminino, para os afetos, para as dores e diversas outras questões existenciais. Utiliza de palavras certeiras para conversar e algumas vezes se confessar com os leitores. Em alguns textos a autora vai direto ao ponto e com uma delicadeza selvagem pergunta como engolir as mágoas. Em outros, Thamires nos confidencia que confia mais na destreza de seus escritos para ilustrar seus sentimentos e ideias do que nas palavras que profere e faz um apelo a nós: espero que me leia. A gente lê, se identifica com aquilo que se aproxima de nossas experiências e tenta degustar daquelas emoções que mesmo não sendo tão nossas ganha ares palpáveis de literatura. 


Seja no discurso direto e incisivo ou numa construção mais poética e contemplativa que utiliza das entrelinhas, Thamires dá corpo ao silêncios, às sombras, ao medo, ao vazio, às despedidas, ao desconhecido, à falta, à rotina, ao simples contemplar de paisagem ao abrir uma janela. Também olha com atenção para os primeiros toques do ser amado, para a liberdade, para as boas lembranças e a simbologia da música quando se encontra com elas. Para os sonhos que se sonha dormindo e acordado, para os amores que se foram e que estão a chegar, para o feminino que habita em corpo, alma e ancestralidade. 

Abrace-me enquanto ainda estou aqui trabalha todo o tempo com a delicadeza, mesmo quando o tema não possui nada de delicado. Como no texto "Diário de quarentena" que relata uma realidade tão vivenciada por todos nós e que a autora ilustra em palavras, arrematando de forma criativa com a certeza de que "o que falta é o ar livre."

Os dias passam iguais  e em frente à tela
vazia eu me coloco. 

Dormir, ler e escrever, talvez nada disso. 

A casa sempre escura e o sol lá fora
brilha excepcional.

Além dessas portas e janelas o perigo
passeia, contudo os vizinhos parecem
viver normalmente, alguns riem alto,
outros choram, enquanto outros gritam.
Provavelmente alguns terminarão em
divórcio.

O que falta é o ar livre. 

As vivências e o olhar feminino sobre o mundo é algo bastante presente na obra. Vão desde a análise do próprio ato de escrever, até as diversas maneiras de amar pessoas, situações, bichos e a si mesmo. Achei particularmente interessantes os momentos em que a própria escrita de Thamires e suas motivações para a escrita se fundem com as principais questões que fazem parte do feminino. Nesse momentos a autora chega a utilizar o processo de descoberta e exploração que a escrita propicia com os processos de descoberta, construção e desconstrução que as mulheres vivem. 

Apenas escrevendo eu me sentia parte
de algo em que acreditava estar perdida.
Parte de mim mesma.

Não sabia se tirava as máscaras ou se as
colocava para escrever.

Essas estrias só podem representar
todas as vezes em que me quebrei e me
reconstruí novamente.

Abrace-me enquanto ainda estou aqui é o terceiro livro de Thamires Mussolini e conta com capa, projeto gráfico e ilustrações do talentoso Santiago Régis, que para o projeto escolheu trabalhar com a técnica de colagem. O artista conseguiu captar diversas nuances da obra nas imagens que criou, portanto, estamos diante de uma obra onde texto e imagem dançam juntos e formam uma edição de encher os olhos. Uma das minhas preferidas está entre as páginas 46 e 47. Santiago, ao pensar no projeto gráfico, escolheu um local especial para a ilustração de uma porta que ficou bem na dobra entre uma página e outra. Quando chegamos nessa página temos a impressão de estarmos literalmente abrindo uma porta. 


Thamires Mussolini escancara muitas portas nesse livro. Ela se coloca e nos coloca diante de nós mesmos. Convida os leitores e leitoras para uma experiência muito íntima, as vezes quase sagrada, mas não no que o sagrado tem de devoção cega, mas naquilo que ele tem de devoção à vida com tudo de bom e ruim que ela carrega. Thamires nos expõe como um universo e nos joga num buraco negro ao constatar que "poderia ter sido todas as possibilidades que não fui."