4 e 20 do Eduardo de Souza Caxa (INDEX, ebooks, 2020) é um livro que segue uma linha parecida com sua primeira publicação, o "3 e 15". É composto por uma miscelânea de gêneros literários para falar sobre a vida, o universo e tudo mais. A escrita de Caxa é muito confessional e podemos perceber que seu ato de escrever é uma das formas que encontrou de ser e estar no mundo e de procurar entender a vida, ou mesmo rir da mesma, quando o entendimento foge completamente das mãos. Se em "3 e 15" tínhamos uma presença mais forte de um humor rasgado, em "4 e 20" esse humor não desapareceu, mas aparece de uma forma mais reflexiva, meio que como efeito de suspensão da realidade, um olhar do alto para as questões de forma a ampliar o campo de visão. O ato de escrever aparece aqui também como temática dos pequenos textos e quando falamos de processo de escrita fica quase impossível não acessar o lado mais poético de ver, escutar e elaborar o mundo. 


"Escrever é despir-se. Mostrar o que exala dos poros sem revelar um naco de pele. Imprimir em outras mentes o que se leva n'alma. Ou inventar tudo isso - não importa."


"Por que escrevo?

Porque aconteceu alguma coisa, porque não acontece nada, porque pensei n’algo inteligente, porque me divirto sendo idiota, porque me encontrei com alguém, porque me encontro, me perco, porque acordei, porque não queria dormir, porque há quem goste (...) porque alivia, conforta, esclarece, organiza, porque vem, porque sim."


 Sendo assim, ler os livros de Caxa é como acessar um diário repleto de reflexões pessoais e que por seu caráter confessional e seu olhar para o corriqueiro se torna universal. Mesmo os assuntos mais complexos são transformados em conversa, bate papo de amigos ao passar pelo filtro do autor. Sua escrita é fruto das próprias vivências e tudo é construído de uma forma muito fluida. Mesmo o tema da homossexualidade aparece como uma característica inerente a quem Eduardo de Souza Caxa é, portanto você não encontrará em sua obra um manifesto ou uma intenção de limar a homofobia do mundo, mas apenas a manifestação da homossexualidade exatamente como ela deve ser - espontânea, natural e parte de quem somos. 


Derrubei os aviões


Naufraguei todos os barcos.

Descarrilei todos os trens.

Furei os pneus dos carros.

Entortei as bicicletas.

Deixei soltos os cavalos.

Destruí todas as pontes. 

Inundei todos os túneis. 

Barriquei todas as ruas. 

Desliguei os telefones. 

Troquei todas as fechaduras.

Mudei todos os meus cofres. 

Arranquei todas as folhas. 

Diluí todas as tintas. 

Calei todas as palavras. 

Demiti a minha musa. 

Soprei longe todos os cheiros. 

Esfriei todos os toques. 

Não cantei a tal balada. 

Sumi de todos os mapas. 

Esqueci todos os caminhos. 

Cancelei todas as datas.

Fugi de todas as festas. 

Desapareci dos sonhos. 

Me rasguei de todas as fotos. 

Borrei toda a maquiagem. 

Cerrei todos os meus dentes. 

Engoli todo o meu choro. 

Sequei todo meu suor. 

Apaguei minhas lembranças. 

Me deitei com tantos homens. 

Paguei caro todo o preço. 

Desatei todas amarras. 

Me perguntarão "que houve?"

Mentirei a esse respeito:

bloqueei todo contato,

só pra retornar agora. 



Eduardo de Souza Caxa faz parte de um novo movimento que vem se fortalecendo no Brasil entre os escritores e escritoras de literatura contemporânea. São pessoas que escrevem independentemente de ter uma grande editora por trás de seus projetos. São pessoas que escrevem por necessitarem de se posicionar nesse mundo insano e a escrita foi a ferramenta que melhor acolheu seus anseios. O mercado editorial, que na maioria das vezes está preocupado com as vendas acima de tudo, acaba se fechando para a descoberta de novos escritores e a cada nova voz não publicada quem perde somos nós e o futuro da nossa literatura que precisa cada vez mais lutar contra taxação de livros e políticas governamentais que não enxergam o livro, a leitura e as bibliotecas. Leiam autores independentes, leiam mais mulheres, leiam mais negros, literatura indígena e LGBT's para construirmos um país onde todo tipo de narrativa importa.