Se os tubarões fossem homens do Bertold Brecht (Editora Olho de Vidro, 2018) trás uma releitura de um importante texto desse dramaturgo, poeta e encenador pelas mãos da tradutora Christine Röhrig e do ilustrador Nelson Cruz. Brecht defendia a ideia de que pensar é um dos maiores prazeres da raça humana e "Se os tubarões fossem homens" é um convite ousado a se pensar o modelo de sociedade que vivemos, as relações de poder, as estratégias de controle, a violência, o capitalismo, a exploração econômica e religiosa, a ética, entre outros temas espinhosos. O mais fantástico é que isso é feito de forma bastante alegórica, extremamente irônica e com uma sagacidade que transmite sentimentos conflituosos a quem lê. Através da representação dos seres do fundo do mar, Brecht faz quase um ensaio sobre a sociedade e a figura do tubarão encaixa perfeitamente com a ideia de voracidade, dominação e medo que podem fazer parte das relações sociais que estabelecemos.
Por mais que Brecht traga com esse texto uma visão realista e portanto preocupante da sociedade em que vivemos, ao mesmo tempo consegue trazer para o leitor a percepção de que a construção de um mundo menos predatório é possível e que está nas mãos de cada um de nós. O livro não apresenta um milagre para que isso possa acontecer, mas a obra simplesmente deixa explícito que o caminho para ressignificação dessa realidade está no reconhecimento de que vivemos em uma configuração equivocada, onde as pessoas são divididas entre os que mandam e os que servem em nome do dinheiro e do poder - através do alcance dessa percepção é possível passar a enxergar o mundo sem as vendas que impedem a comunicação e a informação.
Haveria também uma religião se os tubarões fossem homens. Ela ensinaria que a verdadeira vida dos peixinhos só começa na barriga dos tubarões.
As ilustrações do Nelson Cruz casaram com o texto de forma genial. Brecht brinca com a ironia e o ilustrador conseguiu trazer essa característica para as imagens. Os tubarões são representados de forma a nos lembrar das principais figuras que exercem poder pela força e pelo controle. Vemos ali nos tubarões o capitalismo representado pelos empresários, a corrupção representada pelos políticos, o cerceamento do pensamento representado pelos líderes religiosos.
Naturalmente também haveria escolas dentro das grandes gaiolas. Nessas escolas, os peixinhos aprenderiam como nadar para dentro da boca dos tubarões. Deveriam ter noções de geografia para poder localizar melhor os tubarões grandes que ficam nadando por aí, preguiçosos.
O fundo do mar também foi retratado de forma a explorar um mundo dominado por gaiolas, indústrias, poluição e uma organização social que coloca os seres em níveis diferentes. "Se os tubarões fossem homens" é um conto que ao nos coloca numa posição de perplexidade acaba alcançando o objetivo de desnudar as principais manifestações de injustiça do modelo de vida que acabamos construindo.
Esse é um livro que apesar de aparecer em um formato que geralmente é utilizado nos livros ditos para a infância, também possui o potencial de atingir a todas as idades. Ele tanto pode ser lido num clube de leitura entre amigos para discutir sobre a sociedade, como pode ser utilizado nas rodas de leitura de escolas e bibliotecas para tratar das mesmas questões, uma vez que estamos diante de uma geração que terá o desafio de repensar suas formas de estar em um mundo a beira de um colapso ambiental e político.
Um outro ponto forte desse livro é a aproximação da obra de Bertold Brecht que é uma figura que dedicou sua vida a pensar sobre questões importantes. Brecht que nasceu na Alemanha é considerado um dos mais importantes pensadores e dramaturgos do século 20. Em um dos textos de apresentação dessa edição de "Se os tubarões fossem homens" de autoria de Nelson de Oliveira podemos ver uma contextualização interessante da obra de Brecht quando ele diz que "toda a obra de Bertold Brecht reafirma o valor do conhecimento contra a demagogia dos tubarões."
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