O que Nostradamus e Mãe Diná têm a ver com Douglas Adams e Júlio Verne? Pode não parecer, mas estas personalidades possuem um ponto em comum: as profecias sobre o futuro. Se entrarmos no campo da exatidão e das premonições, descobriremos que os escritores de ficção estão um passo à frente e ganhando status de futurólogos. Enquanto os famosos e nem tão eficientes videntes matam o planeta Terra a cada decênio, grandes autores da literatura mundial prevêem acontecimentos e tecnologias que fazem parte da nossa realidade.

(...) Ford levava um polegar eletrônico – um bastão curto e grosso, preto, liso e fosco, com interruptores e ponteiros numa das extremidades – e um instrumento que parecia uma calculadora eletrônica das grandes. Este último possuía cerca de 100 pequenos botões planos e uma tela quadrada de dez centímetros, na qual podia ser exibida instantaneamente qualquer um dentre um milhão de “páginas”. Parecia um instrumento absurdamente complicado, e esse era um dos motivos pelos quais a capa plástica do dispositivo trazia a frase NÃO ENTRE EM PÂNICO em letras grandes e amigáveis. (ADAMS, 2010, pág.27)


Neste momento o leitor deve estar pensando que a citação acima se refere a algum novo modelo de Ipad, Tablet ou aparelho tecnológico do tipo a ser lançado. Trata-se da descrição de um dispositivo imaginado pelo escritor Douglas Adams (1952-2001), em uma série que teve seu primeiro volume escrito em 1979.

(…) O outro motivo era o fato de que este aparelho era na verdade o mais extraordinário livro jamais publicado pelas grandes editoras da Ursa Menor – O Guia do Mochileiro das Galáxias. O livro era publicado sob a forma de um microcomponente eletrônico subméson porque, se fosse impresso de forma convencional, um mochileiro interestelar iria precisar de diversos prédios desconfortavelmente grandes para acomodar sua biblioteca (...) (ADAMS, 2010, pág.27)
A trilogia de cinco livros “O Guia do Mochileiro das Galáxias” previu vários aparelho e sistemas eletrônicos como o e-book, a Wikipédia e o Google em uma época em que o computador não era artigo doméstico.

Ainda na área da tecnologia encontramos o escritor Arthur C. Clark (1917-2008). Em 1968, Clark, lança o livro “2001: Uma Odísséia no Espaço” em que o protagonista utiliza algo chamado Newspad, um computador usado para exibir conteúdo como jornais, atualizados automaticamente, durante uma viagem.

Se Douglas Adams imaginou um sistema semelhante ao Google, foi porque muito antes dele o escritor norte americano Isaac Asimov (1920-1992) escreveu sobre a criação de uma rede de computadores na qual as pessoas poderiam se conectar. Qualquer comparação com a nossa atual internet não é mera coincidência.

Hoje os japoneses nos fascinam com a evolução de seus robôs, que cada vez mais se assemelham às funções humanas. Isaac Asimov escreveu diversos contos sobre a evolução da robótica. Um deles, “Eu, robô” escrito em 1950, foi transportado para as telas do cinema, num filme dirigido por Alex Proyas e estrelado por Will Smith em 2004. É a modernidade criando mais uma aba onde os objetos e acontecimentos inventados pela criação literária servem de inspiração cinematográfica. A robótica criada por Asimov é bem explorada no longa-metragem hollywoodiano, proporcionando reflexões sobre maquinas humanizadas num futuro próximo.


Júlio Verne (1828-1905), no aclamado livro “Vinte Mil Léguas Submarinas” descreve uma máquina chamada Nautilus, que é capaz de mergulhar e se locomover com a utilização de um combustível inesgotável. Oitenta anos depois, os Estados Unidos cria o primeiro submarino movido à propulsão nuclear.

Esquema da Nautilus de 20.000 léguas submarinas
Submarino Nautilus , lançado pela primeira vez em1954
Em “Guerra dos Mundos” (1898), o escritor H.G Wells (1866-1946) fala sobre o raio laser. Essa sua publicação rendeu, anos mais tarde, duas adaptações para o cinema, em 1953 e 2005. Ainda em sua lista de “premonições” podemos encontrar a descrição de portas automáticas no livro de 1899 “When the sleeper wakes” e de um sistema que possibilitaria a comunicação entre as pessoas de forma direta. Alguém se lembrou dos nossos atuais celulares?


Era uma vez uma época que as histórias começarão com "Será uma vez"

O ser humano possui a necessidade de ficcionar, seja leitor literário ou não. As possibilidades de leitura do mundo são infinitas. Através da relação real/imaginário, os leitores e autores criam seus mundos imaginários, e nem por isso menos real. Nasce assim, o processo de leitura ficcional:

Temos que admitir que, para nos impressionar, nos perturbar, nos assustar ou nos comover até com o mais impossível dos mundos, contamos com nosso conhecimento do mundo real. Em outras palavras, precisamos adotar o mundo real como pano de fundo. […] Isso significa que os mundos ficcionais são parasitas do mundo real. Não existe nenhuma regra relativa ao número de elementos ficcionais aceitáveis numa obra […]. (ECO, 1994, p.89)

Partindo da observação constante do mundo e da realidade os escritores são capazes de galgar um degrau além do que já existe. É uma produção do ramo do fantástico com raízes bem plantadas no chão, no real. É um processo que permite o pensar e enxergar além.

A literatura vive a explorar os elementos que estão postos no dia a dia e a refletir sobre o que ainda pode vir a acontecer ou existir devido ao avanço das tecnologias e a reinvenção das relações sociais. O sonho humano de voar já foi realizado pela metade e sabe-se lá o que mais será feito em busca desse bater de asas. A máquina de teletransporte, que ainda não existe verdadeiramente, transita a muitas décadas pelas publicações literárias e cinematográficas, esperando o dia em que um cientista qualquer virá executar a ideia do escritor que a descreveu primeiro em papel.

Referências
 
  • ADAMS, Douglas. O guia do mochileiro das galáxias. Rio de Janeiro: Sextante, 2010.
  • ECO, Umberto. Seis passos pelo bosque da ficção. Tradução Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
  • PRADO, Ana Carolina: Superinteressante, 2011. Disponível em: <http://super.abril.com.br/blogs/superlistas/9-escritores-que-previram-o-futuro/>. Acesso em: 17 out. 2012, 22:15:17.
  • BLOGOU, Luana: Estante Virtual, 20012. Disponível em: <http://www.estantevirtual.com.br/blogdaestante/2012/03/20/escritores-visionarios-eles-previram-o-futuro-em-seus-livros/>. Acesso em: 17 out. 2012, 22:30:28.
  • 3D Tour of Jules Verne's Nautilus * Scifisteve (1 of 2). Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=x3u8VXupLrw>. Acesso em: 17 out. 2012, 23:25:40.

Esse texto foi publicado também na edição de junho de 2020 da Revista Terrível em uma coluna que assino chamada "escrelivrarei". A revista é um projeto idealizado pelo bibliotecário, escritor e desenhista Igor Tavares. Conheça: https://revistaterrivel.wordpress.com/