Malaterre do Pierre-Henry Gomont (Editora Nemo, 2023) é um quadrinho francês premiado. Através da história de vida de Gabriel Lesaffre, um homem de personalidade difícil e controversa, iremos conhecer também a história de uma família e como se dão os processos de exploração e colonização de uma terra e de um povo. Gabriel trata suas terras e sua família como se fossem exatamente a mesma coisa, apenas algo que ele possui e que precisam estar a serviço da manutenção do poder e do dinheiro. Em “Malaterre” a ambição é mais que um forte desejo de poder, é a própria ganância ditando as regras do jogo.


Toda a história de “Malaterre” gira em torno do desejo de Gabriel em reaver uma grande propriedade que pertenceu a sua família há mais de um século e que ele deseja passar para os filhos no futuro. A propriedade que também está vinculada a um negócio de exploração de madeira em uma floresta tropical que não sabemos exatamente a localização, faz parte de uma história de perda de sua família. Gabriel repete, em mais de uma ocasião, que seus antepassados foram os responsáveis por levar progresso onde não existia “nada”.

A verdade é que a história da família e da propriedade está totalmente ligada à exploração ilegal e criminosa da terra, da floresta e à mão de obra escrava. Gabriel é um personagem que representa um desejo que vive adormecido no âmago da elite: a volta para um lugar de poder e exploração onde as pessoas são meras moedas de troca.

Acontece que Gabriel não vive mais na época de seus antepassados, seus filhos pertencem a uma outra geração (com um pouco mais de consciência) e enquanto ele coloca tudo em risco em busca de seu objetivo, acaba não percebendo que sua família vai se tornando uma extensão de seu fracasso.

A sequência de acontecimentos teve início quando Gabriel comprou uma área florestal, tesouro fundado por seus ancestrais no coração da floresta tropical, área essa que, nas fantasias de meu amigo, era motivo de um orgulho antiquado, e também de uma vergonha latente em virtude do declínio de sua linhagem.


Em “Malaterre” vivenciamos uma verdadeira saga do herói, ou melhor dizendo, do anti-herói. Gabriel é um personagem que já não cabe mais no seu tempo, assim como sua forma desastrosa, inconsequente e irresponsável de ver o mundo. Em cada um dos desvios de caráter e dos fracassos de Gabriel, Pierre-Henry coloca o próprio mundo em perspectiva.