Dementia 21 do Shintaro Kago (Editora Todavia, 2021) é um manga de um dos artistas mais cultuados do gênero. Shintaro usa e abusa do absurdo para contar suas histórias, portanto, o leitor encontrará uma narrativa insana seguida de ilustrações que incrementam ainda mais seu objetivo de tratar de diversos sociais e atuais utilizando do humor, da crítica, do grotesco e da ironia. A obra nos joga num turbilhão se sentimentos, pois, podemos estar gargalhando em um frame para num segundo ficar enojado, num terceiro assustado e terminar completamente confuso e reflexivo sobre a realidade. Por mais que Shintaro traga muitas referências da sociedade japonesa, na grande maioria delas conseguimos alcançar suas reflexões de uma doença que é coletiva e universal.
A jovem Yukie Sakai é a mais bem avaliada cuidadora de idosos da Green Net. Seus clientes são atendidos com paciência e dedicação; Yukie serve sopas, dá remédios e faz companhia a senhoras e senhores que, a princípio, seguem uma rotina tranquila e sem percalços. Todavia, o que parece ser um trabalho simples se transforma rapidamente num pesadelo surreal que vai pôr a prova a inteligência e a dedicação de Yukie. Nas dezessete histórias deste livro, o grande mestre do mangá Shintaro Kago colocará Yukie diante de missões tão difíceis quanto assustadoras e, para o terror da jovem, francamente bizarras.
Como não tenho muito o costume de ler mangás a sua própria estrutura de leitura da direita para a esquerda e com a leitura iniciando no quadrinho superior da direita, foi uma experiência e uma imersão e tanto na história. Para além da psicodelia e estranhamento da forma como Shintaro narra tive que lidar com essa orientação de leitura usada originalmente nos mangás. É como se tivéssemos que forçar o cérebro a agir de outra forma.
O autor utiliza de elementos muito interessantes no que se diz respeito às imagens. Encontramos diversas ilusões de ótica, grafismos e rimas visuais que estão ali para maximizar um desconforto que perpassa toda a obra.
Dementia 21 é surreal, grotesco, mas também extremamente divertido. Shintaro criou ilustrações que são bem realistas e que apesar dessa representação do real narra acontecimentos nada palatáveis. Como a protagonista é uma cuidadora de idosos, Shantaro acaba por utilizar o tema da velhice como ponto principal da obra e isso abre uma gama de possibilidades para ironizar a forma como a sociedade trata as pessoas mais velhas. Em muitas das histórias a exploração do trato e dos cuidados que precisamos ter com os idosos servem para escancarar o quanto somos uma sociedade doente que não valoriza verdadeiramente a história alheia, as individualidades e as memórias de quem está por aqui a mais tempo que a gente.
A cuidadora Yukie Sakai se depara com histórias bizarras e por vezes surreais. Como a de uma idosa que tem alzheimer e conforme vai esquecendo as pessoas elas explodem. A missão da cuidadora passa a ser evitar que a senhora a esqueça. Em outra história uma velhinha que não aceita de forma alguma as suas rugas utiliza de um creme para a pele que cria rugas transmissíveis e ela sai contagiando a todos que tem "pele lisa e de pêssego". Como também a de uma idosa que apesar de estar saudável precisa começar a degradar a própria saúde para conseguir acessar tratamentos a baixo custo e vagas em boas casas de repouso. Para isso ela precisa provar que é muito velha. Uma história interessante sobre os estereótipos da velhice.
O autor consegue com isso falar sobre relações sociais, relações de trabalho, exploração, afeto, saúde, entre outros assuntos. Shintaro coloca a velhice como algo extremamente bizarro como uma espécie de provocação a nós mesmos, pois geralmente é assim mesmo que a tratamos. É um retrato interessante da forma como lidamos, ou não lidamos com a velhice.
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