Notas de um megalomaníaco minimalista do Matheus Peleteiro (Edição do autor, 2019) é um livro que nos coloca numa espiral onde você não tem escolha a não ser refletir sobre a vida. Ouvimos muito que a verdadeira busca pelo entendimento, pelo conhecimento e saberia não se dá necessariamente pelas respostas, mas sim pelas perguntas. Às vezes essa afirmação parece um tanto clichê pelo seu uso demasiado, provocando esvaziamento. Acontece que esse uso se manifesta mais na fala que nas ações e é quando a expressão da dúvida se torna ação que nos conectamos com a força das perguntas. "Notas de um megalomaníaco minimalista" é exatamente isto, um convite para se fazer uso das dúvidas e das perguntas em um exercício que pode ser motivador, inquietante, doloroso, mas essencial para acessar redemoinhos internos.


A cada bom livro que leio, saio cada vez mais convencido do poder do texto literário de nos movimentar, de nos fazer conectar com questões de foro íntimo e estruturantes da nossa vivência. "Notas de um megalomaníaco minimalista" me pegou pela mão (nao que essa seja sua intenção) em um dos momentos mais difíceis da minha vida, agindo como uma dose de um remédio onde a bula já me avisava dos efeitos colaterais e mesmo assim eu bebi, porque  precisava deles também. Ainda no prólogo Matheus avisa: "Por isso, escrevo este livro para mim mesmo, ainda que eventualmente o mesmo venha a calhar nas mãos de calorosos estranhos." Eis-me aqui.

Leio enquanto enfrento a melancolia, resignifico a própria existência, monitoro a saúde mental e revisito minhas "certezas". O livro do Matheus não poderia ter aparecido em melhor momento. Peleteiro fala sobre medo que aparece como indagação - "mas e o seu medo?". Fala sobre angústia, amor, crenças, desejos, culpa, arte, despedida, vida, morte, entre outros assuntos que se entrelaçam e que tornam a obra um debate existencialista que faz dos devaneios instrumento de auto análise.

Em um texto intimista, minimalista e de total entrega, Matheus narra um encontro inusitado entre dois jovens. Um rapaz e uma moça sentam lado a lado no mirante do Museu de Arte Moderna da Bahia. Eles não se conhecem e a moça inesperadamente pergunta o seu nome ao qual o jovem responde não dizendo seu nome, mas perguntando o dela. Mais tarde, no decorrer da leitura descobri que coloquei meu próprio nome ali.

Ela se chama Letícia e os dois iniciam uma conversa digna de sessões de terapia, pois os filtros vão caindo um a um, uma vez que percebem que o que vale naquele encontro é a entrega, a escuta e é lugar onde não cabe julgamentos.

A moça representa nessa obra a mão que guia personagem e leitor para uma auto investigação de suas próprias opiniões, sentimentos e certezas pré concebidas. Aqui neste ponto, volto à importância da dúvida ao passo que Letícia provoca o jovem a seu lado com perguntas que parecem estar sendo feitas também a nós que lemos o livro. A primeira grande pergunta de Letícia é devastadora, porque é simples e complexa. "Me conta, Sr. sem nome, qual a sua grande história de vida?" Impossível não se pegar pensando em como a gente mesmo responderia  a isso e na obra essa mesma questão serve como chave de ignição para tantas outras perguntas que surgem.

- Você sentiu muitos surtos de alegria e felicidade em sua vida até o presente momento? Fez coisas que te fez se sentir extasiado? Procurou o que ama mesmo sabendo que isso poderia te matar?  - perguntou Letícia, num bombardeio, parecendo estar acostumada a fazer este tipo de provocação. 

Terminei "Notas de um megalomaníaco minimalista" carregando em mim muitas identificações com as questões levantadas, elas vão tanto do que passo a enxergar como possíveis ações, como para um reencontro comigo nos variados defeitos, potências e visões de mundo. Deixei  muitas citações marcadas a lápis e são muitas também as marcações que essa obra deixou em mim.

A questão é que sempre me senti um misto de tudo. Uma confusão para os que põe estereótipos. Um intelectual que escuta rap, um leitor que foge de intelectuais e corre para se deliciar com coisas vãs e bobas; um liberal que se comove com os socialistas... sendo assim, alguns podem dizer que, por isso, por ser um pouco de cada, eu nunca tenha tido personalidade própria, mas eu digo que justamente por ter um pouco de cada é que me tornei um ser singular.

Na dedicatória que Matheus Peleteiro deixou no meu exemplar, em um certo trecho ele diz "espero que este livro possa levar um pouco de pólvora para a bomba que há dentro de ti." E eu só tenho que lhe responder usando suas próprias palavras Matheus:

No fim das contas, o que importa é isto: sentir. Sentir com a alma, ter os pelos do corpo constantemente arrepiados, sentir a vida urrando e o coração palpitando no peito. Respirar fundo e contemplar a vida. Sentir, sentir, sentir e sentir.