Interiorana da Nívea Sabino (Edição da autora, 2018) é um livro de poesias que como disse bem a Michelle Sá no prefácio "esse livro tem um potencial de mundo." A Nívea, artista e poeta de Minas Gerais, mais precisamente de Nova Lima, possui uma escrita certeira, não por ser moldada por estilo, métrica, forma , mas por dizer daquilo que vem da observação, da vivência e do mais íntimo da memória individual, coletiva e afetiva. Sua escrita flui e explode porque também é feita de liberdade.
Nívea Sabino com "Interiorana", se torna um grande exemplo da qualidade da literatura e das publicações independentes que eclodem pelas nossas periferias. Nívea vem carregando consigo suas experiências como mulher preta, feminista, lésbica e periférica, portanto, sua escrita se torna mais uma oportunidade e uma aliada para mostrar ao mundo a existência de outros mundos, e quando esse mundo é apresentado por alguém que o habita e que não tem medo de transitar o resultado é imersão numa escrita que comunica de braços dados com a literatura.
Assim como domina as letras, Nívea domina a arte de declamar. Ler "Interiorana" foi uma experiência de ter letra e voz de Nívea no cangote. Quem já teve a oportunidade de ver a autora declamando qualquer texto entenderá bem o que digo. Para Nívea "a poesia falada não vive presa na livraria" e é por isso que ela leva sua poesia para diversos espaços da cidade onde a voz e o corpo também são potências.
Na primeira parte do livro "Não creia em perfeito, seu feito é seu jeito" Nívea trata mais das questões dos encontros, dos afetos e dos amores em suas mais variadas formas. Estabelece também um olhar sobre sua própria produção.
IRMÃOS DE OUTRO LAR
Vem de sangue
no olhar
da sangria (meu guia)
de amar
amigo é família
que cresceu
noutro lugar
Na segunda parte intitulada "Nova Lima em pressa" a autora presenteia sua cidade com algo que não tem preço, que é a manutenção da memória. São poesias que olham para a individualidade para dizer também do coletivo. Falam sobre sociedade, lugar, morada, identidade e pessoas que marcam e constroem uma localidade.
Na terceira parte "Pra mãe e pro pai: ausência sentida" a autora evoca a saudade de seus pais, revisita seus laços, em textos onde a ausência é tão forte que se torna presença e reflete na mulher que Nívea Sabino se tornou.
E o livro termina com um outro presente aos leitores. Temos o pequeno "Conto de Piquita - Pititu - Pi.
A "Interiorana" consegue falar sobre os mais diversos assuntos com beleza, naturalidade e conhecimento de causa. É um livro onde a poesia pode ir da saudade à despedida, do amor à ironia, da violência à emancipação do corpo preto, do amor familiar ao sexo, sem perder o flerte com uma costura de ideia e das palavras que faz com que a gente sinta a necessidade de ler em voz alta para si ou para alguém. Interiorana é muito para ficar só com a gente.
O CHEIRO DA MEXERICA
Sedentos dedos
lhe puxam
a vida
Cada gomo à mostra
é uma ferida
As mexericas
espirram lágrimas de sumo
a cada casca
em despedida
E à medida
em que se descasca
o suor da fruta
encharca o corpo
que sente o suco
escorrer a boca
por mordidas
findas
De
gomo
em
gomo
não há saída
Só resta o cheiro
da mexerica
CONTORNANDO
O difícil
agora
era virar a curva
Pois depois da curva
havia mais estrada
E a estrada cansa, é longa, muitas vezes
sem surpresas...
Então ela parou
pensou
e caminhou
E concluiu que difícil mesmo
era desistir de caminhar
A edição de "Interiorana" também é algo que precisa ser exaltado. É um livro muito bonito, bem e bem diagramado. O projeto gráfico e diagramação foram feitas pelo Alexandre de Sena. Conta com ilustrações belíssimas da Raíssa Angrisano. A arte criada pela ilustradora representa corpos negros de mulheres, transferindo a ideia de "interior" para representações de corações que pulsam, para o verter de líquidos de seios, do sexo como florescer, entre outros traços que exploram a nudez de forma que não é aleatória. A nudez se apresenta aqui como a ideia da nudez de quem tem algo franco a dizer, de mulheres que estão nuas pelo fato de decidir se expor através das ideias, pois falar o que vem de dentro e denunciar o que precisa ser denunciado se assemelha a nudez pelo que carrega de libertador e de tabu. "Interiorana" é um livro de uma mulher sobre várias mulheres que se mostram e que são vistas porque lutam por seus espaços de direito.
Nívea Sabino com "Interiorana", se torna um grande exemplo da qualidade da literatura e das publicações independentes que eclodem pelas nossas periferias. Nívea vem carregando consigo suas experiências como mulher preta, feminista, lésbica e periférica, portanto, sua escrita se torna mais uma oportunidade e uma aliada para mostrar ao mundo a existência de outros mundos, e quando esse mundo é apresentado por alguém que o habita e que não tem medo de transitar o resultado é imersão numa escrita que comunica de braços dados com a literatura.
Assim como domina as letras, Nívea domina a arte de declamar. Ler "Interiorana" foi uma experiência de ter letra e voz de Nívea no cangote. Quem já teve a oportunidade de ver a autora declamando qualquer texto entenderá bem o que digo. Para Nívea "a poesia falada não vive presa na livraria" e é por isso que ela leva sua poesia para diversos espaços da cidade onde a voz e o corpo também são potências.
Na primeira parte do livro "Não creia em perfeito, seu feito é seu jeito" Nívea trata mais das questões dos encontros, dos afetos e dos amores em suas mais variadas formas. Estabelece também um olhar sobre sua própria produção.
IRMÃOS DE OUTRO LAR
Vem de sangue
no olhar
da sangria (meu guia)
de amar
amigo é família
que cresceu
noutro lugar
Na segunda parte intitulada "Nova Lima em pressa" a autora presenteia sua cidade com algo que não tem preço, que é a manutenção da memória. São poesias que olham para a individualidade para dizer também do coletivo. Falam sobre sociedade, lugar, morada, identidade e pessoas que marcam e constroem uma localidade.
Na terceira parte "Pra mãe e pro pai: ausência sentida" a autora evoca a saudade de seus pais, revisita seus laços, em textos onde a ausência é tão forte que se torna presença e reflete na mulher que Nívea Sabino se tornou.
E o livro termina com um outro presente aos leitores. Temos o pequeno "Conto de Piquita - Pititu - Pi.
A "Interiorana" consegue falar sobre os mais diversos assuntos com beleza, naturalidade e conhecimento de causa. É um livro onde a poesia pode ir da saudade à despedida, do amor à ironia, da violência à emancipação do corpo preto, do amor familiar ao sexo, sem perder o flerte com uma costura de ideia e das palavras que faz com que a gente sinta a necessidade de ler em voz alta para si ou para alguém. Interiorana é muito para ficar só com a gente.
O CHEIRO DA MEXERICA
Sedentos dedos
lhe puxam
a vida
Cada gomo à mostra
é uma ferida
As mexericas
espirram lágrimas de sumo
a cada casca
em despedida
E à medida
em que se descasca
o suor da fruta
encharca o corpo
que sente o suco
escorrer a boca
por mordidas
findas
De
gomo
em
gomo
não há saída
Só resta o cheiro
da mexerica
CONTORNANDO
O difícil
agora
era virar a curva
Pois depois da curva
havia mais estrada
E a estrada cansa, é longa, muitas vezes
sem surpresas...
Então ela parou
pensou
e caminhou
E concluiu que difícil mesmo
era desistir de caminhar
A edição de "Interiorana" também é algo que precisa ser exaltado. É um livro muito bonito, bem e bem diagramado. O projeto gráfico e diagramação foram feitas pelo Alexandre de Sena. Conta com ilustrações belíssimas da Raíssa Angrisano. A arte criada pela ilustradora representa corpos negros de mulheres, transferindo a ideia de "interior" para representações de corações que pulsam, para o verter de líquidos de seios, do sexo como florescer, entre outros traços que exploram a nudez de forma que não é aleatória. A nudez se apresenta aqui como a ideia da nudez de quem tem algo franco a dizer, de mulheres que estão nuas pelo fato de decidir se expor através das ideias, pois falar o que vem de dentro e denunciar o que precisa ser denunciado se assemelha a nudez pelo que carrega de libertador e de tabu. "Interiorana" é um livro de uma mulher sobre várias mulheres que se mostram e que são vistas porque lutam por seus espaços de direito.
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