O último a sair, por favor, apague a luz e me deixe aqui do Matheus Peleteiro (edição do autor, 2020) é um livro corajoso que faz um raio-x do corpo doente de um país subjugado pelo ódio, através de um "plano" de governo que aumenta os abismos que já enfrentavamos como sociedade. O narrador dessa novela ou conto é um ufanista que o tempo todo se pergunta se é possível se manter resiliente, resistente e acreditando em um país onde seu maior inimigo é o próprio presidente da república.
Por muitos anos, fora um ufanista obstinado. Orgulhava-se da sua pátria exageradamente, e cultuava, todos os dias, o seu clima quente, a sua vastidão geográfica, a sua música diversificada, a sua literatura genuína e o resiliente e tragicômico humor de seu povo. Entretanto, de repente, num súbito, perceberá que o sujeito que fora durante uma vida inteira, já não era mais.
O ufanista percebeu que aos poucos, seu amor, sua paixão pelo próprio país foi sendo minado e desaparecendo "como a lucidez diante de ignorantes." É como se o narrador fosse vendo a morte lenta de sua própria terra acompanhado de um sentimento de total impotência diante da realidade.
O livro consegue fazer uma retrospectiva interessante sobre a recente história política do Brasil, desde que a figura de Jair Bolsonaro fez com que a ignorância, o medo, o desprezo a tudo que é arte e diversidade, que a indelicadeza virou parte de um posicionamento institucional. Matheus Peleteiro, utilizando da voz desse ufanista não poupa palavras para contextualizar a perplexidade e quanto mais avançamos em seu texto, mais a nossa própria incredulidade sai do stand by e volta a ganhar força. É quando o narrador e o leitor percebem que "lhe furtaram a capacidade de se surpreender, mas não a de se indignar..."
Fato é que havia uma nação inteira disposta a agir como guardiões da estupidez. Sentinelas de terríveis "bons costumes". Incapazes de um raciocínio próprio, deixavam-se manipular pelas mais enfadonhas teorias da conspiração, adulteradas por espertos oportunistas ou sórdidos degenerados, que aproveitavam a euforia de um desespero coletivo para promover uma figura pitoresca.
Se antes muitas pessoas já conseguiam fazer uma leitura crítica e coerente sobre todo o processo que o Brasil estava passando, hoje já com uma certa distância temporal, pode-se perceber as estratégias desumanas que levam um governo fascista e genocida ao poder. O ufanista percebeu como "o presidente viera para dar voz aos ressentidos, aos seres vis que há décadas se incomodavam por terem de acobertar as suas próprias brutalidades."
O último a sair, por favor apague a luz e me deixa aqui é aparentemente um livro completamente desesperançoso sobre qualquer possibilidade de retomada do caminho do desenvolvimento social e político, mas após sua leitura percebemos que a própria coragem do autor de falar sem filtros sobre um período onde a democracia corre sério risco é um exemplo de que aqueles que o autor chama de "corações selvagens" não desistirão do país e por isso o título da obra pede: apague a luz e me deixe aqui.
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